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Pensamentos soltos sobre tudo ...

Lolinha

Lá estava ele ...

o olhar perdido na janela aberta...

sorvendo o mate amargo.

Findou o dia e a lida... terminada.

O cachorro, deitado...

e os verdes campos se despedindo do gado recolhido.

Hora do descanso.

Pensamentos soltos sobre tudo...

o trabalho no campo, a vida, a família, o amor...

O tempo presente, ou aquele que passou...

Os cabelos...brancos.

E o chapéu que muitas vezes voara aos ventos daqueles pagos, agora estava ali meio amassado e com vontade de se acomodar.

E as mangas se arregaçam naqueles braços que já não contam mais com tanta virilidade.

Mas carregaram de tudo um pouco...

a saudade da prenda que se foi...

linda no vestido vermelho...

que dançava com a saia rendada na altura dos tornozelos.

E tinha aquele longo cabelo negro

que deslizava solto naquelas mãos grossas e calejadas, mas que,

quando os tocava,

não podiam ser mais delicadas do que as folhas de outono caindo no chão.

Pensamentos soltos sobre tudo...

o trabalho no campo...

a plantação...

a engorda do gado...

o telhado do galpão...

a coalhada da tia Neca...

o canto do galo fora de hora...,

e os amores que se foram e o que ficou no coração...

O tempo presente, e aquele que passou...

E nessa hora em que findava o dia e terminava a lida...

Sorvendo o mate amargo...

Lá ficava ele...

Olhar perdido na janela aberta...

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​

Não é o título desta tela, pois não nomeio nenhuma. Deixo ao critério de cada um o que seu coração capta ao vagar dos olhos pelos detalhes das telas.

Mas esta chamei de Lolinha apenas para explicar o que me cativou e motivou a construir a tela com giz carvão e pastel branco.

Lá estava ela, quieta, à frente da sala de aula, meio improvisada, ao ar livre naquela distante tribo africana.

Encostada em um banco, parecia tímida, pensativa e logo me fez refletir... Por quais mundos andariam aqueles pensamentos?

De cara fiquei muito intrigada..., e estranhamente, coisa que não acontece assim tão de repente, me apaixonei..., sim, como se diz? Amor à primeira vista? Deve ser porque comecei a querer fazer perguntas; afinal, queria saber da vidinha dela, quem era, com quem e onde vivia, seus pais, irmãos, se brincava, porque estava ali, se já sabia ler, e o nome, primeira coisa que se pergunta nesse mundo de rótulos!, mas enfim..., queria saber tudo de Lolinha, como quem quer conhecer e saber tudo de seu novo amor, como quem se apaixona e sonha...

Lolinha, com seu olhar perdido, triste, carente e, ao mesmo tempo desafiador, cativante e carinhoso me abraçou para sempre.

De costas prá aquela lousa negra toda rabiscada com números e símbolos geométricos ao contrário, fazia parecer que tudo estava longe da sua realidade.

Inclusive eu.

E foi isso que mais me aproximou dela.

O mistério.

O não saber, o não conseguir chegar lá dentro com respostas certas.

Mas tinha que haver outra forma de chegar em Lolinha. Então resolvi tentar captá-la assim com luz e sombra.

O preto e o branco.

Não sei se fui uma boa estrategista.

Mas..., a Lolinha do mistério da sala de aula, dos símbolos ao contrário, ao ar livre, naquela distante tribo africana, estará ali prá sempre com aquele olhar perdido, carente e, ao mesmo tempo, intrigante e carinhoso, um olhar de criança, a minha criança que preencheu meu coração.

E o meu pé de Laranja Lima

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E no Meu Pé de Laranja Lima onde tudo acontecia...

Havia aquela menina linda com sua infância maravilhosa...

Que vivia com o pai, a mãe e os dois irmãos naquela pequena cidade do interior.

A casa ficava no meio de um imenso jardim. Passar o portão dos fundos era proibido.

Mas como era bom...

Brincar? Era do que mais gostava.

Andar de bicicleta e sumir o dia inteiro. Jogar pedra na casa da bruxa ou apertar a campainha e sair correndo e se esconder prá ver se ela aparecia.

De polícia e ladrão..., pega-pega..., meia- meia-lua 1,2,3..., e de comer pepino na horta sentada na terra. Fazer campeonato de atirar bolinha de cinamomo.

Jogar bolita e Três Marias...

Enterrar o Duque, o cachorro de estimação com todo o ritual, embaixo dos eucaliptos.

Espetar os salsichões (que secavam ao sol), roubados do frigorífico dos gêmeos João e José, nos galhos de árvore lá embaixo do morro (cujo acesso era escorregando sobre as folhas que caíam dos coqueiros), e atear fogo no chão e comer quando estivessem pretos por fora e crus por dentro.

Colher ameixas sob o olhar sonolento da coral dorminhoca ao pé da ameixeira. O prazer mais perigoso de todos.

Fazer os temas? Argh! Isso era o pior. Mas o pai ajudava na volta do trabalho.

Mas um dia o pai partiu subitamente. Seu grande companheiro de todas as horas.

E ela foi arrancada de seu mundo sonhador e teve que se despedir de seu Pé de Laranja Lima.

E nunca mais voltou e ficou se perdendo e vagando por aí.

Muitos anos se passaram...

E construiu outro mundo diferente... Aprendeu a perder e a ganhar, perder e ganhar. Um dia perdeu tudo de novo e achou que nunca mais fosse ganhar nada, nem ter sonhos... Até que descobriu que o Pé de Laranja Lima nunca havia saído de dentro dela e o mundo todo e todas as brincadeiras e as travessuras e a alegria e a felicidade e o que mais a deixava feliz, seu EU CRIATIVO, estava dentro dela mesma. A menina daquela infância linda. A menina do Meu Pé de Laranja Lima retornou criativa em sua Arte.

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Muitas vezes a gratidão é maior do que tudo. Até do trabalho de arte pelo presente que recebemos no contraponto da vida.
2016 foi o ano da experiência no carvão. Me entreguei de corpo e alma! Gratificante! E, naquele ano, o ateliê da minha mestra Márcia Marostega, resolveu criar para as vendas e presentes natalinos, a caixinha de arte. Cada artista do ateliê produziu uma obra que foi fotografada e impressa com layout exclusivo do colega Arlei.
Ficou uma caixinha dos sonhos, pois recheada de lindas obras primas.
As caixas foram entregues...
Algumas chegaram até a casa ao lado. Outras viajaram por continentes e, em especial a história da minha obra (esta obra), do meu cartão postal.
Estava ela bem protegida dentro da sua caixinha na mochila da colega, nossa querida Joana Zanon que naquele momento específico se encontrava no vagão de um trem expresso França/Alemanha. Pois bem, no mesmo vagão se encontrava um apreciador de arte com quem entabulou conversa.
Lá pelas tantas, em meio ao cafezinho, e falando de arte, Joaninha retira a caixinha e mostra ao guloso observador. Elogios por toda parte, obra pós obra. Mas o que me encantou foi o gesto da Joana, que passeando e levando a caixinha para amigos distantes, de presente, abriu mão de uma delas que ficou no velho continente. Quanto a minha obra, àquele apreciador, segundo Joaninha, fez o seguinte comentário:
- fiquei impressionado com o que passa pra mim neste olhar. Muito intenso.
Na verdade, quem ficou impressionada com toda esta história fui eu.
O mundo é mesmo muito pequeno.
Joana! Minha gratidão por tudo, mas principalmente, por teres a delicadeza e a sensibilidade de vires me contar.
Só almas como a tua! Gratidão!

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Então...
Quando ouvia falar do processo criativo nunca imaginava que se tratava de tantas variáveis...
...da minha mão, da minha técnica, da minha imaginação, da minha alma, da orientação da minha mestra amiga Márcia Marostega.
E surgiu a notícia através da amiga e colega e grande artista (gratidao), Juliane Mai, hoje radicada em São Paulo, da inscrição para a 12a. Grande Exposição de Arte Bunkyo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa em São Paulo. À primeira vista, o entusiasmo! Em seguida, a realidade! Que obra? Conseguirei ser selecionada? Salão extremamente seletivo na qualidade dos trabalhos. Artistas de todas as partes. Então..., veio aquela onda de: vou desistir. Mas não desisti. Só não sabia o que preparar. Foi aí que surgiu a ideia de fotografar a minha modelo querida, uma menina de 17 anos, enfeita-lá com adereços condizentes (aquele tecido africano que espalhamos pelo corpo e cabeça), e clicar sem medo numa ensolarada tarde de sábado na gruta dos índios.
E foi assim que surgiu esta figura criada em duplicação, técnica nova que aprendi com minha profe, Márcia. E lá se foi a obra pra São Paulo e a esperança sentida em todos os poros para que fosse selecionada. E foi!
Felicidade!
Mas muito mais que todo este processo é que hoje ela está aguardando o término da casa nova para ficar na parede da sala de jantar.

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